sexta-feira, 26 de abril de 2013

Joelhos


Ela era sozinha.  Não por falta de companhia, mas por falta de vontade de percebê-las. Insistia em pensar que não estaria feliz com ninguém e por isso afastava inconscientemente todos que ousavam se aproximar de sua carapaça.
Então um dia, como que por mágica, encontrou-se com ele. Ele era perfeito, ou pelo menos era aceitável, segundo os padrões que ela exigia. Seu único problema eram os joelhos. Esse era o problema dele, mas não o dela.
Para ela, era maravilhoso ter um ser sem joelhos bons. Sem joelhos, como ele poderia se afastar e deixa-la? Como poderia culpa-la ou cobrar perfeição se nem ao menos tinha joelhos?
E assim o relacionamento foi se desenvolvendo. Ela satisfeita em sua segurança do não abandono. Ele insatisfeito com sua pouca mobilidade, mas conformado. Pelo menos tinha uma mulher, assim ele pensava.
Bom... O tempo passa e com o aumento do desconforto dele, ele procura meios para se ver livre de situação tão incômoda. E eis que se descobre que à venda está um par de joelhos novos. Ele feliz, conta à mulher que sempre esteve por perto; que o aceitara apesar de seus defeitos. Mal sabe ele que, para ela, aquele era seu maior predicado.
De repente ela se vê novamente atormentada. Como assim? Como permitir que ele se torne completo? Ele ainda ficaria ao seu lado, mesmo podendo caminhar sem sua ajuda? Ainda estaria à sua espera, em casa? Não! Ela não acreditava. Ele com certeza irá em busca de alguém também completo. E eu não sou! Perderei. – ela pensava. E apesar de todos os seus pedidos, apesar de todos seus entraves, ele providenciou joelhos novos.
Eram joelhos novos e fortes. Depois de testa-los, ele percebeu que poderia fazer tudo o que sonhara e que fora obrigado a apenas sonhar. Agora poderia sair. Conhecer o mundo. Conhecer pessoas novas. No seu intimo desejava a presença dela, mas ela, após a aquisição dele, tornara-se arisca e distante.
Então o que ela mais temia aconteceu. Ele decidiu caminhar em direção a outros lugares, lugares diferentes dos delas. E ela novamente se tornou solitária.
Ensimesmada, ela não havia percebido que surgia diante de si possibilidades de caminhos novos que seriam trilhados ao lado dele. Com o medo, podara a chance de ter novos joelhos também e devido a sua insegurança acabou por ficar presa aos defeitos que possuía.
E o que aconteceu a ele? Bom... Ele foi a praia, encontrou uma menina que tinha bons joelhos e peitos grandes. Divertiu-se, viveu, aproveitou, despediu-se e partiu pra outra, para outras e ainda se ouvem historias sobre o homem que tinha bons joelhos e muita pressa. 

Um comentário:

  1. Por vezes a vida pode ser apenas uma vontade de ter "bons joelhos". Difícil é poder aceitar que, tenho os joelhos, o que eram antes desculpas para não viver, não arriscar, não ousar, revelam ser apenas desculpas para não ir em direção àquilo que mais nos realiza...

    Obrigado por me proporcionar pensar sobre mim, e a falta que os meus "bons joelhos" não me fazem...

    Ótimo texto! Bjos.

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