quinta-feira, 28 de março de 2013

Dois Pássaros



Foto de Bruno S. Corrêa
Dois pássaros.
Encontro em um galho.
 Contraponto. Contrassenso. Contrapeso. Contra o tempo.
Terço. Teço.
 Olhar. Olhares.
Suspeitos. Insuspeitos.
Plumagem. Imagem.
Vento.
Recordar o que não houve.
Frio. Porção. Vácuo.
Sentir. Tremor.
 Perceber. Sorrir.
 Bicos. Asas. Plumas.
Pensamentos. Análises. Buscas.
Olhares.
Tremor. Roçar de folhas.
Os dois. Nós dois.
 Reencontro do que nunca veio.
Desencontro do existir.
Brisa furtiva. Lágrima fugidia.
 Voo. Céu.
 Planar. Planos.
Leveza. Perda.
 Dois pássaros são três pernas, duas asas, um bico.
Um múltiplo.
Metapsicobiose.
Ficção.
Existir.





O que é educação e bons modos pra você?


Fico pensando sobre quando as pessoas reclamam que falo palavrão. Primeiro eu não concordo que eu falo palavrão... Não gosto de palavras grandes. São complicadas. Prefiro as pequenas, mas potentes. Pode ser um “merda” e pra mim tá bom.  Um “fudeu” então... meus queridos, como diz aquele texto: um “fudeu” tem conotações que só um “fudeu” tem. Tem gente que insiste que é falta de educação, vejam só! Não que eu esteja defendendo o uso de tais ferramentas em sala de reunião.  
Feio mesmo é não dizer obrigado, com licença e por favor. Minha professora lá da pré-escola me ensinou. Tem tanta gente que parece que não teve “tia” na escola. Feio é fazer cara feia só porque vou esperar alguém atravessar na faixa de pedestres. Ok, não é fácil ter paciência mesmo. Aquele senhor lá, 1975 (achou que era o ano de nascimento, né?) anos, com aquela bengala... puxa... como demora... Mas o quê queria que eu fizesse? Ele não vai conseguir correr, mal consegue andar.
                Feio também é ver grávida, idoso, mãe com criança no colo em pé em ônibus e não ceder lugar. É ver fila grande e tentar passar na frente, furar. Feio é não retribuir os bons dias e boas tardes e boas sei-lá-o-quê que recebe.
Horroroso é tentar passar as pessoas pra trás no troco, no preço, na informação. De mau gosto é não permitir que as pessoas tenham acesso à educação. E não é só o de escola não, é formação de caráter mesmo. É o livro que não se empresta. A informação que não se partilha.
 Sem modos é alguém só ver telejornal, de quinta categoria, e achar que sabe sobre política, sobre antropologia e sociologia e que o Mundo é errado e feio, porque é o mundo, oras! Não, meu senhor! O mundo é feio, porque você, meu amigo, usa a lente errada.
De péssima postura é esperar que meninas fossem bonecas e mulheres sejam, além de bonecas, infláveis. Que meninos fossem iguais aos pais, e os pais iguais a eternos maridos de barbies.
Esperar que as pessoas não fossem o que são só pra satisfação de uma bolha, nada natural, diga-se de passagem, criado pela publicidade, baseado na elite que nem mesmo ela, a elite, consegue ser.
Pra mim, quem tem que ganhar diploma de “grosseirão” é quem diz que cultura é elitizada, que pobre é favelado e que quem tem casa grande em bairro chique é que “tá bem”. Se for no estrangeiro então...
E depois de pensar em tudo isso, ainda me pergunto como tem gente que me diz que sou sem educação? Não sabia que o meu “puta merda!” quando tô feliz ou meu “mais que bosta” quando um projeto não saiu como eu queria, fossem tão ruins assim. Bem... “foda-se!” eu não me importo. Pronto!  

segunda-feira, 25 de março de 2013

Conheço?



- Oi. Tudo bem? - Aquele momento em que você pensa: eu conheço?
A mulher na sua frente. Estática. Esperando uma reação e você lá, esperando entender. Ah! A educação. Essa coisa maravilhosa e que às vezes nos inferniza. Fosse eu um pouco menos civilizada, diria não e sairia dali, indo em direção a alguma outra vitrine, mas não. Minha mãe se esmerou na educação dos filhos. Resultado: sorriso forçado. Não aquele sorriso leve. De canto. Aquele sorriso de pum mesmo. Amarelo. Que não mostra os dentes. Esse é o melhor que eu consigo dar praquela pessoa.
- Oi. Tudo. E você? – respondi.
 Vai que conheço mesmo. Minha memória é péssima. Já é motivo de anedota na família. Teve uma vez que não reconheci uma vizinha que morava ao lado de casa há uns cinco anos. Nunca fui muito sociável. Eu e meus livros éramos mais aparentados que qualquer outro membro da família, imagina se eu ia conhecer quem jogava lixo sobre o muro do lote da casa dos meus pais?!
- Tudo ótimo, menina. A Fernanda vai se casar semana que vem. Você precisa ver como ela está ansiosa.
 Era tudo o que eu precisava. Não bastasse ter que me recordar da senhora à minha frente, agora tínhamos um segundo personagem. E pior. Apenas com os dados de nome e às vésperas de núpcias. Lembra, Elle... Lembra... Quantas amigas mesmo que você tem em idade casadoira e que estão querendo casar ou que estão conseguindo - conseguindo é muito importante -casar? Pensa... Envio o máximo de estímulos pro meu cérebro lerdo. Processa cérebro, processa... Sorriso fica um pouco torto agora. Desfeito pelo esforço. Tô tentando gente, tô tentando.
- Olha. Que coisa... Que bom... Fico feliz por ela... Tá tão difícil encontrar alguém bacana hoje em dia... Um homem bom é muito difícil...
Epa! Porque ela franziu o cenho? Frio na espinha. Eu sei, eu sei. Deveria ter dito que não me lembrava dela já no segundo parágrafo, mas eu sou assim... Não dou conta. E se eu conhecesse a dita. Como ela ia se sentir? Magoada, no mínimo. E se fosse comigo? Então vamos tentando manter a farsa... Até que ela se complica. E fica insustentável. Por que ela mudou a expressão mesmo?
- Homem? Não, menina. Então você não sabe? A Fê vai casar com a Clara. Agora que a família da Clara finalmente aceitou. Finalmente, viu? Ela até ameaçou se matar. Imagina?
É imagino... Imagino o que vou fazer agora. Digo pra ela “Que bom que as coisas deram certo afinal” ou tiro a máscara e digo “sinto muito, mas não sei quem você é”? Seria simples. Se eu fosse simples. Se não tivesse problemas que Freud se encarregaria de assinalar como relações ambíguas. Sabe como é: castração, sentimento de amor e ódio, talvez uma pitada de necessidade de apreciação. De ser boazinha.
- Não. Eu não sabia.
 Seria ótima oportunidade. Um “Olha uma blusa linda ali que quero. Bom te ver. Se cuida, viu?” resolveria.  Por que não falo isso?  Não tenho tantas vidas assim e a curiosidade, você sabe,  me mata qualquer hora.
- Mas como foi que elas convenceram a família da Clara?
- Há! Foi fácil até. O seu marcos foi pego saindo do motel com o namorado. Aí não teve mais como, né?! Tanta hipocrisia... Um homem casado! Veja bem. As meninas ficaram felizes. Hum... Olha. Acho que não conheço você. Você não é a Fabíola, ex-namorada do Pedro que é filho do Rodrigo e da Lúcia que a mãe morreu ano passado?
- Não senhora. Não sou.
Sorriso fica mais sincero agora. Meio tímido. Mas, ufa! Finalmente ela se deu conta da confusão.
- E você não tem vergonha? Ficar perguntando da vida dos outros assim? Pura fofoca. Essa gente que não tem mais o que fazer!
A dona me dá as costas e vai embora. Pisando alto. Coisas que eu realmente mereço. Levei bronca por tentar ser educada. Culpa da minha mãe. Será que Freud entenderia minha queixa?



sexta-feira, 22 de março de 2013

Rotina


 Que delicia! Como é bom acordar depois de uma noite intensa de paixão... Nos meus sonhos. Ainda posso sentir o cheiro dele antes de abrir os olhos. Antes de realmente acordar. Antes de encontrá-lo no trabalho. Antes... Peraí. Trabalho, trabalho... Quantas horas?
- Meu Deus! Tô ferrada!
Não, não, não. Não hoje. Já são 7h15min. Tenho apresentação de relatório às 8h30min. Reunião importante. Droga. Começa minha carreira. Carreira de correria desenfreada mesmo.
Levanto tropeçando no cobertor e começo bem, já bati o dedinho na quina da porta do banheiro. Ignoro a dor. Sou mais forte e meu chefe mais bravo. Escovar os dentes. Olho minha cara no espelho. Por que essas olheiras, por quê?  Esqueci de passar o anti-sinais de novo. Não vou ficar na frente do Facebook até tarde. Nunca mais. Passo mão no cabelo. Pelo menos a escova segura pra hoje. Ok. Higiene pessoal feita... Menos o banho. Banho??? Ficou doida! Você está muito atrasada. Banho fica pra depois.
Roupas. Roupas. Cadê a minha blusa de cetim. Cadê? E a saia que eu separei pra hoje. Ah, ótimo! Esqueci de passar. Onde está o ferro? Ferro, ferro, ferro. Até que essa coisa finalmente esquente, vou ter passado a saia com a força das minhas orações. Esquece a saia. Vamos de jeans. Jeans mesmo. Jeans é Cool. É jovem. Só colocar um salto e a blusa e acessórios. Fica bem. Ninguém vai realmente perceber. As pessoas não percebem o que a gente está vestindo quando nós as olhamos nos olhos. Acho que vi isso num filme. Vai ter que funcionar hoje.
- Salto, meu filho! Onde você tá? Ajuda. Ajuda, por favor. Procuro dentro do guarda-roupa, embaixo da cama. Opa. Aqui um pé... Onde está o outro?... Olha ali, em baixo da pia do banheiro. Preciso dar um jeito nesse quarto.
Ok. Vestida. Bijus. Maquiagem. Beleza. Só borrei o rímel e deixei batom vermelho ficar no dente. Volto pra frente do espelho. Vamos verificar. Salto: não são lindos? Comprei numa liquidação. São iguais a daquela personagem do filme “O diabo veste Prada”. Calça jeans: Tá ok. Blusa de cetim: tá alinhada. Acessórios: colar mega-max-perfeito... Me custou uma pechincha. Quase nada... Pena que não consegui os outros que eu queria... Opa! 7h48min. Foco, Elle, foco! Maquiagem: sorrio para espelho e vejo que a marca no dente não está mais visível, e a minha derrocada com o rímel foi remediada. Cabelo: um coque resolve. Coque invertido porque é chique. Despojado e nem me rouba 2 minutos na produção. Conjunto da obra? Bom.
Vamos lá. Agora é pegar os documentos. Pegar o carro. Pegar o trânsito maravilhosamente tresloucado e caduco de BH e pegar a reunião pela metade e pegar o chefe com cara de poucos amigos e pegar minha demissão.
Não! Pensamento positivo! Vai dar. Vai dar. Quem vai estar no transito às 8 horas da manhã? Quem?! A cidade toda. Melhor ir de metrô. Evito o trânsito do centro. Isso. Cadê a minha pasta? Por que o Sr. Manda-em-tudo, também conhecido como meu chefe, insiste em uma apresentação formal com direito a slides? Por que ele pode. Ele paga. Cadê o cartão de memória? Aqui. Tudo certo. Vamos. Onde estão as chaves do carro. Onde?  Pensa onde você deixou ontem... Reviro tudo. E nada. Onde coloquei? No processo de procura abro até a geladeira. Olho em baixo do sofá. Fim do pique esconde. Estava em cima da geladeira. Como foi parar lá? Nem quero saber.
Como planejado: carro. Estação de metrô. Centro a pé. Vamos olhar o lado positivo: podia ser pior. Eu poderia morar ainda mais longe, ter que pegar ônibus e depois outro ônibus, depois um taxi (isso sou eu me motivando enquanto ando com a porcaria dos saltos onde um dedinho lateja devido seu encontro indesejado com uma quina de porta)... Bem depois pegar um taxi... Um taxi! Anta, por que você não pegou um taxi? Pensando bem... Qual a diferença? Ainda estaria agarrada. E não seria agarrada em coisa prazerosa.
Agora só um lance de escada. Elevador. E 15 andares. 8h45min. Bem... O que são 15 minutos de atraso? O que 15 minutos faria de diferença na minha vida. Vejamos: contas pagas ou mendicância que é o que vai acontecer se eu não conseguir uma boa desculpa, pra ele (você sabe quem – meu chefe). Aproveito e dou uma olhada no espelho do elevador. Tudo perfeito não fosse a blusa amassada, o filete de suor acima dos lábios, formando um bigode aquoso, além de algumas gotas na testa. O coque ta meio tordo. Mas pelo menos não tem pizzas debaixo do braço. Acalma a respiração. Respira. Respira.
Olho para o lado. O rapaz da contabilidade me olhando com um sorrisinho! Ta legal seu bastardo.  Eu não percebi que você também estava aqui, tá? Você nunca se atrasou não?! Fique tranquilo. Falei na minha cabeça. Vamos de mal a pior. Se meu humor já está assim, como vai ficar quando tiver que assinar a rescisão do meu contrato?
Não! Pensamento positivo. Não é o que dizem? O universo plasma os nossos pensamentos. Respira. O mostrador digital avisa o andar correto. As portas se abrem. Sorriso na cara. Cabeça altiva. Ignora o sapato. É só sua imaginação. Não tá doendo realmente.
Ai... já me viu! O chefe já me viu. Sorria e olhe nos olhos, Elle. Você é uma mulher forte. Você é uma mulher forte.
- Atrasada! Apresentação?  - ele estende a mão em minha direção, pedindo os documentos. Lembre-se de sorrir. Olhe nos olhos dele. Nos olhos.
- Aqui. Mas não se preocupe. Está tudo ok. Gostaria de começar agora? - Isso. Sou uma mulher forte. Tenho o domínio. Percebo a indecisão dele.
- Vamos para a sala de conferência. E pare de me olhar assim! Você está passando bem?
É.  Talvez eu tenha exagerado no olhar. Mas o que importa é que está tudo bem. Depois da apresentação. Depois dos acertos, não fui despedida. Oba! Posso pensar seriamente sobre aquela aquisição: sapato ultra-vermelho que vi em uma loja.
Vou ao banheiro. Em um dos corredores paro, estática. Respiração suspensa. É ele. O cara dos meus sonhos e o culpado pelos meus atrasos. Ele em seu uniforme sexy.
- Bom dia, dona Elle. Acabei de limpar sua sala. Ta cheirosinha.
Sorrio educadamente. Se aquele “cheirosinha” fosse pra mim! Que inveja da minha sala.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Visita Íntima


Não adianta. Ponto. Nunca vou me acostumar com isso. Mesmo depois de dez anos ainda é extremamente constrangedor e decepcionante minha ida ao ginecologista para os exames de rotina. Uma vez por ano estamos lá, os dois. Ele mudou um pouco desde a primeira vez. Mas não o suficiente. Sempre calado no início, sorriso frio. Quanto à mim... Bem... essa não mudou nada desde a primeira.
Minha pergunta é sempre: o que devo vestir. Sim, o que devo vestir? É um compromisso importante. E ele vai me ver sem roupa. Qual roupa intima escolher? Será que ele gosta de vermelho? Hum... não, melhor não. Não queremos provocá-lo, afinal ele não me liga no outro dia mesmo. Que seja bege então. É o que ele merece.
Para as pessoas que me conhecem, que convivem comigo, é estranho entender que lá dentro daquela sala sou muito tímida e arredia. Não sei o que acontece. Simples assim. Minhas pernas chegam a doer de tanto que balanço, na impaciência, momentos antes de entrar no consultório. E então, me chamam.
Os bons dias ou boas tarde costumeiros. Um como vai, para ser educados. Então: o que a trouxe aqui? (como se ele não soubesse!) Senti sua falta? Era o que ele esperava? Hum... difícil não ser grosseira mentalmente com o cara que nem sabe meu telefone de cor. Bem, vamos ao exame então.
Essa é a parte que não sei o que ocorre, mas todo meu vasto vocabulário foge. A partir desse momento, falar português, bem qualquer outra língua, incluído sinais, me é difícil. Minhas respostas iram se restringir a alguns sim ou não balançar de cabeças e dar de ombros. Tem também alguns sons produzidos no intuito de parecer alguma coisa diferente de não e sim. Sabe como é?! Eu poderia até ficar calada, mas e a educação? E os bons modos?
O chato mesmo é que em determinado momento, eu numa posição ginecologicamente desconfortável, se é que o leitor me entende (se for mulher vai entender mesmo), ele se esquece que estou ali e começa a falar sobre futebol com a auxiliar. Futebol? Por favor, cidadão! Isso ai meu amigo, onde você tá com as mãos dentro não é um campo de futebol, ok? Aff... taí assunto que detesto, ainda mais quando falam sobre mexendo na minha vulva. Pergunto se ainda vai demorar. Ele responde que não. E volta a me ignorar. Aparentemente meu púbis não é tão interessante quanto o último gol do Neymar.
Minutos depois. Levanta-se. Sorrir e fala: tudo ok. Recebo dois tapinhas no joelho e um vista-se. Como? Já? Assim?
Após me trocar e ele me passar os pedidos dos exames, diz até logo. Até logo o carai. Dessa vez vou trocar de gine. Quero um mais romântico. Custava reparar na depilação, por favor. Aff. Homens.